Demolida a partir de 1920. Conforme atestam as Memórias Históricas de Monsenhor Pizarro e Araújo¹ , a igreja de São Sebastião do Morro do Castelo foi construída por Salvador Correia de Sá em 1568, feita de grossa taipa. A capela era simples e ornada com as imagens e paramentos trazidos da vila fundada no Morro Cara de Cão. Em 1569, a mesma foi elevada a matriz da cidade do Rio de Janeiro e sede de prelazia² em 1576, com as obras de sua construção sendo concluídas em 1583. O pórtico segue o padrão da arquitetura maneirista mais robusta encontrada nos edifícios construídos na segunda metade do século XVI e primeiros decênios do XVII, com acentuadas características de fortificação: poucas fenestras – neste caso sequer há janelas no segundo pavimento (coro); solidez dos elementos construtivos – com grandes pilastras, entablamentos e pináculos; frontão triangular com duas empenas retas e tímpano liso (alteado no século XIX pelos Capuchinhos); torre dupla com terminação piramidal (raramente completada) com grimpa na parte superior; portada monumental em arco pleno. Com o decorrer dos anos, deslocando-se a população para a Várzea, o Morro do Castelo sofreu despovoamento e a igreja de São Sebastião ficou distante do convívio comunitário. Só os atos litúrgicos obrigatórios da paróquia eram lá efetuados e a igreja foi progressivamente abandonada; a movimentação no morro se restringia aos dias de procissão. Pizarro nos oferece, ainda, outras informações singulares de ocorrências na matriz durante os governos de Martim de Sá. No primeiro, entre 1603-1604, ele doou quatro sinos e a imagem do padroeiro: supostamente a mesma que estava entronizada na capela-mor do monumento quando da sua demolição. No segundo, ocorrido entre 1623 e 1632, o governador instituiu uma capela dedicada à Nossa Senhora da Cabeça e um altar dedicado à Nossa Senhora do Rosário, garantindo também patrimônio para o festejo de ambas as invocações marianas³. Em 1676, quando foi criado o Bispado do Rio de Janeiro, a Igreja Matriz de São Sebastião passou a ser a Catedral da cidade. Em 1700, os pardos instituíram a irmandade de Nossa Senhora da Conceição no seu interior, mudando em 1729 para sede própria. Em 30 de setembro de 1733, a Sé foi transferida para a Igreja Santa Cruz dos Militares, após ter passado um período abrigada na vizinha São José, devido à evolução urbana da cidade. Permaneceu ali por pouco tempo, com o cabido diocesano⁴ finalmente fixado na Igreja Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos, mais ampla e nova à época, cuja irmandade não ofereceria maiores resistências para tal, uma vez que era eminentemente composta por negros cativos e libertos. Não obstante, por determinação del-rei, foi instituída uma confraria para zelar pelo patrimônio da igreja do Morro do Castelo, além da criação de uma capelania perpétua, com obrigação de celebrar missas todos os dias no altar mor do templo. Em 1808, com a chegada da Família Real ao Brasil, a Catedral passou para a Igreja Conventual Nossa Senhora do Carmo, na rua 1° de março; ali permaneceu até ser transferida para a Avenida Chile em 1976. Em 1842 a igreja de São Sebastião do Morro do Castelo, em estado de abandono, foi entregue aos Capuchinhos italianos que a reformaram e construíram no terreno anexo o convento dos Frades Menores Capuchinhos. Foi possivelmente nesta época que foi elaborado o retábulo da capela-mor existente nesta igreja até a demolição do Morro do Castelo. Do tipo tardio, sem obedecer a todos os elementos da composição dos altares coloniais, possuía mesa de seção trapezoidal e logo acima da mesma um enorme camarim, onde ficava a escultura original do padroeiro da cidade. No segundo plano, um trono escalonado era encerrado pela escultura do Cristo Crucificado. O corpo era sustentando por duas arandelas e quatro colunas com ornatos e fustes decorado, semelhantes aos antigos quartelões. No coroamento, com motivos ornamentais e volutas, havia uma tarja central com o brasão franciscano. Joaquim Manoel de Macedo, em Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro⁵, relata que à altura da sua visita ao monumento, na segunda metade do séc. XIX (1863), os santos entronizados na nave eram apenas S. João Batista e S. Januário, em seus respectivos altares, não havendo mais retábulos (exceção daquela na capela- mor), mas apenas painéis pintados. Cremos, por conseguinte, que muitas imagens foram retiradas da antiga Sé do Castelo pelos motivos aqui materializados: transferência para igrejas de irmandades e decadência de outras tantas; mudança recorrente do cabido diocesano e da própria catedral, levando consigo tantas outras imagens; estado avançado de arruinamento do templo antes da chegada dos Capuchinhos etc. Mesmo com tantas adversidades, culminando com a demolição de todo o Morro do Castelo a partir da década de 1920, parte do precioso acervo que constituiu a antiga Sé de São Sebastião hoje se encontra em posse dos frades capuchinhos em seu convento na Tijuca. Como a antiga Sé do Castelo teve uma variação de funções muito peculiar, tendo servido primeiramente de matriz da cidade; depois catedral; em seguida, capelania perpétua; finalizando como igreja conventual, guardiã dos marcos de fundação e responsável pela festa do padroeiro da cidade, a mesma foi portadora de características paroquiais durante toda sua existência, se dignificando como representante genuína da própria história do Rio de Janeiro, materializada nos monumentos e no próprio morro que a abrigava. ¹ PIZARRO E ARAÚJO, José de Souza Azevedo. Memórias Históricas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945. Volume II. p. 35. ² Província com jurisdição ordinária, separada do Bispado de Salvador, mas ainda sem a qualidade de diocese. ³ PIZARRO E ARAÚJO, José de Souza Azevedo. Op. cit. Volume VI. p. 49. ⁴ Conselho diocesano, composto pelo bispo e seus conselheiros, estes denominados cônegos. ⁵ MACEDO, Joaquim Manuel de. Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Typographia de Cândido Augusto de Mello, 1863.